sábado, março 25, 2006

Em todas as vidas há um dia de chuva...


4h25 da madrugada. Não consigo dormir. O tempo arrasta-se, vagaroso e amolecido… Escuto a pulsação enferma do relógio, crucificado no frio azul da parede. Nunca a noite foi tão longa. Cada batida do ponteiro dos segundos espanca o silêncio do quarto, ecoando longamente de contra as paredes e morrendo numa quietude vazia, tão extensa que me parece quase eterna, onde caberia o tempo de mil vidas. Lá fora chove… Oiço as gotas de chuva a despenhar-se na janela, cúmplices do tempo, quase uníssonas com o apático compasso do relógio. Vem-me ao pensamento um poema de Erika:

“Pérolas são as gotas da chuva fina
desfazendo-se, frias, no meu colo.
Toco-as como a uma jóia
perene, efémera
como vida já consumida.
Liquefaço-me, suave
qual riacho sem rumo
correndo para as margens
sem fronteiras.
O horizonte é lá
onde o não vejo
definido em linhas
que não alcanço.
Acrescento-me ao infinito
perdida no meu próprio olhar
sem corpo, sem mágoa
inerte
um acréscimo desconhecido da natureza.”


E estou só. Sinto-me como se tentasse correr, impotente, imersa até ao peito em água gélida, dura como estes lençóis de cetim agora frígidos da tua ausência. No ar paira ainda uma réstia do perfume do amor. Aperto a sumaúma da almofada, fecho os olhos. É quase como ter novamente o teu corpo moldando-se-me aos dedos, num enlace demorado e ardente… Ainda te sinto, tatuado nos meus sentidos, respirando perdidamente o meu ar e devolvendo-mo, os teus lábios nos meus… No peito lateja-me ainda o bater do teu coração, tão forte e turbulento, cavalgando loucamente ao ritmo dos corpos molhados de paixão...

Chove cada vez mais. O ritmo das gotas transfigurou-se e agride agora a janela com toda a violência de um exército que marcha para a guerra. A cada recordação tua a solidão dói-me ainda mais. Chove lá fora e chove-me por dentro, tão fria e torrencialmente que quase me afoga a alma. E espero… espero pelo consolo do sono, espero pela manhã, pelo amanhã… Não sei o que espero. Mas aguardo, pacientemente, a chegada do novo dia. Oiço já o chilrear dos passarinhos no despontar da aurora, entoando a doce trova da esperança que me embala num conforto inesperado. Com tanta certeza como a de o sol um dia se erguer, vitorioso, num céu azul, sei que virás de novo. E nesse momento, quando te olhar nos olhos, também o meu sol triunfará…

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N. da A.: mais Erika em www.oceano-indico.blogspot.com


2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O melhor e mais intenso dos três, tinha de deixar o meu comentário, julgo que começas cada vez mais a encontrar te e a afirmar te.

Essa energia é a melhor do mundo "A PAIXÃO" é como a força dessa chuvada que batia na tua janela, quanto maior e mais forte, mais bela e assustadora se torna.

Humildemente

Ricardo

03:06  
Anonymous Anónimo said...

Parabéns! Tens mt talento! Adorei principalmente este teu texto ;)

Kiss kiss

23:58  

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