Transparência

Está frio. Enrosco-me um pouco mais no pequeno cobertor de viagem, já gasto de tantas e tantas vezes que me abraçou os ombros no arrefecido do relento nocturno. Do alto desta falésia avista-se o outro lado do mundo. As colossais pedras escarpadas, retalhadas por mil sóis e mil luas e mil ondas de mar, culminam neste rochedo onde me sento, qual majestoso trono. Por um momento sinto-me soberana deste reino pétreo, imponente e poderoso… e ao mesmo tempo tão inerte e frio sob a mansa negrura da noite.
Sinto-me afogar no ar gélido que me invade os pulmões. Parece-me ainda mais glacial do que a água em que há pouco mergulhei, profanando a quase vítrea calmaria oceânica. A cada inspiração sinto agora o peito inflar até ameaçar romper, sinto-me vazia. Lá em baixo, o mar continua tão sereno que quase se lhe poderia caminhar por cima. Lembra-me uma fina folha de prata ondeante, reflectindo a lua como se lhe tivessem arremessado um punhado de diamantes. As pequeninas ondas vão subindo furtivamente, mais e mais, deslizando suavemente sobre o ouro do areal e apagando, lentamente, as pegadas que deixei, uma após a outra.
Do alto desta noite esperava avistar também o outro lado de ti. Sinto-me ribombar por dentro com emoções confusas que não sei discernir e que necessito decifrar à luz dos teus olhos, como uma pauta musical precisa ser lida para se poder fazer soar e revelar ao mundo o maravilhoso prodígio que esconde, um milagre que de outra forma nunca passará de uma amálgama de traços e rabiscos loucos num pedaço de papel… Na caminhada solitária pela praia pareceu-me ouvir música, como se a cada passada pisasse as teclas de um piano e fizesse nascer uma melodia amena e doce, tão nostálgica e melancólica como a canção de uma sereia perdida. Pensei até ouvir ao longe a tua voz. Mas sei que dormes, em algum lugar, enlaçado na bruma de um sonho qualquer. Quem sabe se fantasias aventuras, se imaginas uma canção ou se sonhas com borboletas…
Tantas vezes te tentei desconstruir para te poder compreender… És tão misterioso! Estás tão perto e tão longe ao mesmo tempo... Quando te tenho nos braços sinto-te desabrochar como uma flor que só se revela ao sol… para logo depois te resguardares novamente em olhares enigmáticos, estonteantes. É como folhear um livro em branco, onde aqui e além surgem algumas linhas, às vezes com nexo, às vezes não. Sei que escreves nele incessantemente, mas não mo revelas, como um cisne que olha o céu em desafio mas nunca chega a abrir as asas. E eu quero tanto voar contigo…
Ainda tenho o corpo molhado. A brisa cortante atira-me mechas de cabelo de contra o rosto, cola-me o vestido às coxas, torna-o transparente. Sinto a tua falta… Como tudo seria fácil se tu fosses como este linho branco! Se eu ao menos pudesse molhar-te o corpo com o meu amor e ver à transparência o que sentes, como através da limpidez cristalina destas lágrimas… Suspiro profundamente. No sorriso magoado dança-me um sabor a sal.
3 Comments:
A espera sempre custa. Mas custa muito mais quando as probabilidades de vir a terminar com sucesso são escassas. No entanto é nestas alturas que dentro de nós vindas ainda não se sabe bem de onde, surgem forças que nos fazem acreditar que vale a pena esperar, que quem "dorme, em algum lugar, enlaçado na bruma de um sonho qualquer", vai acordar e reparar que é ao nosso lado que está o complemento da sua existência. Para que no final os dois formemos um só.
As tuas palavras estão cheias de sentimento...não vou comentar o teu texto, mas deixo-te aqui um que encontrei e penso que não podia ser mais verdadeiro..espero que gostes..
Principe
A pessoa certa não é a mais inteligente, a que nos escreve as mais belas cartas de amor, a que nos jura a paixão maior ou nos diz que nunca se sentiu assim. Nem a que se muda para nossa casa ao fim de tres semanas e planeia viagens idilicas ao outro lado do mundo. A pessoa certa é aquela que quer mesmo ficar connosco. Tão simples quanto isto. Às vezes demasiado simples para as pessoas perceberem. O que transforma um homem vulgar no nosso principe e ele querer ser o homem da nossa vida. E há alguns que ainda querem. Os verdadeiros Principes Encantados não têm pressa na conquista porque como já escolheram com quem querem passar o resto da vida, tem todo o tempo do mundo; levam-nos a comer um prego no prato porque sabem que no futuro nos vao levar a Tour d Argent; ouvem-nos com atenção e carinho porque se querem habituar à musica da nossa voz e entram-nos no coração bem devagar, respeitando o silêncio das cicatrizes que só o tempo pode apagar. Podem parecer menos empenhados ou sinceros do que os antecessores, mas aquilo a que chamamos hesitação ou timidez talvez seja apenas uma forma de precaução para terem a certeza que não se vão enganar.
(...)
Não é o que nos compra discos românticos e nos trauteia canções de amor no voice mail, é o que nos ouve falar de tudo, mesmo das coisas menos agradáveis. Não é o que diz Amo-te, mas o que sente que talvez nos possa amar para sempre
(...)
O Principe que sabe o que quer, nao é o melhor namorado do mundo; é o marido mais porreiro do mundo, porque nao é o que olha todos os dias para nós, mas o que olha por nós todos os dias.
(...)
Principe e um Principe porque governa um reino, porque sabe dar e partilhar, porque ajuda, apoia e nos faz sentir que somos mesmo muito importantes.
Claro que com tantos sapos no mercado, bem vestidos, cheios de conversa e tiradas poeticas, como e que não nos enganamos? É facil. Primeiro, é preciso aceitar que as vezes nos enganamos mesmo. E depois, é preciso acreditar que um dia podemos ter sorte. E como o melhor de estar vivo é saber que tudo muda, um dia muda tudo e ele aparece. Depois, é só deixá-lo ficar um dia atrás do outro... e se for mesmo ele, fica.
Parece simples, não é?! Pois é, simples é que nao é...
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