quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Minha Borboleta


Flori. Desenrolam-se-me as pétalas, uma a uma, como véus de veludo suave, pequenas pálpebras que aos poucos me desvendam o olhar. É Primavera. O vento respira de Sul, em bafejos quentes e afectuosos. Às vezes traz-me o cheiro do mar, que se mistura com o perfume açucarado e leve do pasto e das outras flores. Faz-me fantasiar com o frescor da água salgada, com brincadeiras animadas por entre a folia das ondas… Mas neste campo verdejante, fervilhante de cor e de vida, tantas como eu, tantas por nascer, tantas por morrer, aqui perduraremos. Conheço o meu destino, vejo-o nas outras flores. Nascer, morrer, dar vida de novo. Sempre no mesmo lugar. Juntas ondulamos ao ritmo da voz da Terra, enraizadas e imóveis no solo que nos viu brotar. Tantas, mas tão sozinhas. Eis o meu mundo.

Sonho secretamente com uma borboleta. São raras por aqui. Vejo-as voar, planando majestosamente, mas nunca senti nenhuma. Tacteio-as na minha imaginação… Como é singular a sua beleza! Porque as borboletas não se preocupam em ser belas. Vivem a sua vida, percebem ser efémeras mas cumprem a sua sorte. Há que desfrutar cada segundo, não há tempo para ser belo. E no entanto, são-no tão naturalmente.

Vivo numa solidão intermitente. As abelhas são aos milhares, vêm e vão. Pousam sorrateiramente, quase imperceptíveis, qual subtil conquistador. Não sei resistir, porque nesse momento o vazio desaparece como se nunca tivesse existido. A sua simples presença paralisa-me os sentidos. Rendo-me e devaneio, absorta da cruel frieza que tão bem lhes conheço… Porque em breve desmascaram o seu intento. Desfloram-me, profanam-me as entranhas, roubam-me o néctar e abandonam-me. Esventrada, ao vento. E eu espero que voltem, que pelo menos uma delas regresse e fique comigo…

Não me deixes!
A vida escorre-nos pelos dedos e em breve seremos pó!

Mas elas nunca retornam. Existo, definho, o tempo passa e o meu brilho já não é o mesmo. A cada sopro da brisa amena que me embala sinto-me crestar. O meu sumptuoso laranja vai dando lugar a um castanho inerte, seco… As abelhas não pousam mais em mim.

A solidão é agora constante. Preparo-me para findar. Mas… como um anjo silencioso, uma borboleta desce delicadamente e descansa sobre a aridez do meu cálice. Sinto o seu toque suave, carinhoso. Como desejei este momento! Descubro-lhe mil detalhes sublimes no corpo macio e nas asas leves e irisadas. Cada pormenor é ainda mais maravilhoso que o anterior, ainda mais majestoso, ainda mais soberbo. Pudesse eu pedir-lhe para nunca partir! Doce e preciosa borboleta, toda a vida ousei sonhar contigo, que me amasses tanto que viesses até mim e não mais me deixasses só… E que por amor partilhasses comigo a tua imortalidade de um dia!

Aprecio sequiosamente cada instante, sei que me deixará a qualquer momento. Mas não... Tranquila, ela repousa serenamente, confia. Veio para ficar. Agora, que a minha eternidade se aproxima do fim, partilhá-la-ei contigo, Minha Borboleta... Estás finalmente aqui.

1 Comments:

Blogger Rui said...

Ja tinhas uma, tu é que nunca a vias, porque tá sempre no fundo das costas, duh!!!:-P ...e assim se estraga um perfeito momento poético, hehehe

16:03  

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